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AS PALAVRAS
Chegam-nos palavras que logo se desvanecem. Como corpos frágeis, não resistem ao impacto; desintegram-se no alvo. Outras percutem-nos com força e ressoam – palavras- diapasão. ''As palavras são seixos que rolo na boca antes de as soltar. São pesadas e caem'' diz Ruy Belo. E não agem sós as palavras. Organizam-se em bandos – por vezes, gangues, quando enveredam por sintaxes criminosas. Outras vezes, insurgem- se contra regras que as não deixam dar asas à sua busca de infinito. E são sensíveis, as palavras. Se as acolhes de braços abertos e lhes mostras regozijo, à chegada, elas entregam-se-te num esplendor de significados. Ficam tristes, macambúzias e interditas, se à recepção falta calor.''São como um cristal, as palavras. Algumas, um punhal, um incêndio'' , diz Eugénio de Andrade – que elas brilham, sabemos, mas às vezes ferem e matam. São como tijolos também, as palavras. Com elas edificamos as casas onde moram nossos sonhos. Umas, janelas, levam-nos o olhar demasiado preso ao aqui para paisagens de ali. São sóis e são mares. Cometas, diz Adão Contreiras. São cascatas de sílabas que se despenham em horizontes de azul. São muros, algumas. Muralhas. Espreitam-nos pelas ameias. Cavalos fogosos, tomam o freio nos dentes e levam-nos à desfilada por temporais de granizo. Fazem-nos esperas, se as desfeiteamos, e não toleram a indiferença. Algumas, comedidas, dissimulam-se na timidez dum gesto; outras, insinuantes, fitam-nos com arrojo. São curiosas como crianças vorazes. Levemo-las, pois, a ver as coisas que elas dizem. E andemos sempre com elas. ''Com elas eu me deito, me levanto'' diz o Egito Gonçalves. Palavras, leva-as o vento, diz toda a gente. Convém, por isso, resguardá-las. E não só no tempo frio, que são outros os frios que as flagelam.
Com palavras eu me digo, eu te digo. Com palavras me chego a ti. A ti e a ti. E muitas ficam por dizer.