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Esta é a história de um casal que se encontra, nos vários sentidos, na segunda metade da vida dele e na primeira metade da segunda vida matrimonial dela. Vera e Pedro são apaixonados pelas palavras e estas fizeram com que se apaixonassem um pelo outro. São criadores de uma relação nos seus próprios termos. Chama-se Pôr na Grafia, pela necessidade da escrita antes do ato. Com o diagnóstico de uma demência precoce ao Pedro, o seu mundo vê-se ameaçado. Temem o esquecimento de si próprios. É uma viagem emocional pelas transformações, pela perda, pela reinvenção.
"- Vai-te embora! Não vês que nem sequer te conheço? Vai ser feliz noutro lado. Não te quero aqui. Não quero ser velado em vida. Uma e outra vez. Revelado. Exposto. Faz-me mal saber que me sabes assim. Eu não aguento isto. Não isto. Quero um cancro. Quero um AVC. Quero uma merda qualquer que me leve, mas de uma vez. Se é para morrer que seja de uma vez. Não assim. Não aos poucos. Não aos muitos, arrancado de dentro de mim. Esfumado.
A Vera chora, calada, de pé. Como contrariar? Como atacar? Atracar, isso sim. Abraça-o. Quer os abraços longos que os marcam. Um abraço-velcro. Abraço-cobertor. Abraço pele. Que fica. Que dura muitas respirações. Inspira. Mas sente um empurrar. Duro. Sem aleijar no corpo. A alijar o corpo. A aleijar na mente. Alija, aleija, além já. O Pedro quer distância. Quer o desapego. Que a Vera vá. Vá Vera, vai. Vai Vera, vá. Vera, vá, vai. Repete-o de todas as formas. Atos, palavras, inatos, insanos. Atreve-se a gritar. Aumenta os decibéis como se aumentasse a razão. A fórmula dos fracos. Sabia-o e doía-lhe. Não nos tímpanos, mas na razão. A ilógica da agressão que mascara um pedido, um desejo de proteger. Agredir para proteger. Será a doença? A demência? Não, é empurrar alguém para fora do perímetro de uma explosão. Isso é proteger. Mas afastar alguém para fora do perímetro de uma vida requer mais força física. A força física para quebrar a química. Uma reação mecânica que desencadeia uma reação molecular. Separação dos átomos. Separação em tomos. E que a força gravítica do amor não se faça sentir. A gravidade da força que traz a Vera sempre de volta. É preciso um empurrão maior para a colocar fora de órbita. Fora do seu sistema."