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“…a realidade não lhe bastava.
A fotografia era-lhe uma forma de esventrar algo de inóspito no espaço.
De se submeter a uma força inclassificável proveniente do congelamento de um olhar, como se ao parar um movimento, uma acção, experimentasse qualquer coisa próxima da redenção, um júbilo próprio de um toque divino sobre o seu corpo trémulo, como se a realidade dissesse ´salvaste-me do esquecimento, liberto-te do tormento´.
Experimentava uma aniquilação respiratória que se transformava em êxtase pela posse de filamentos do mundo, é isso, sentia-se na posse do mundo por lhe retirar instantes que mais não eram do que infinitos de possibilidades alcançáveis pelo tremor, que o faziam continuar, prosseguir o seu jogo com o real, até que conseguisse captar a vera essência de si próprio - continuava à procura dessa imagem.
Precisava de ser transformado por um transe entrópico, por uma desordem primitiva.
Carecia de ser subjugado pela luz, pelos seus contornos.
O inóspito era ele mesmo, fotografava contra si, para se curar.
Para entrar no corpo animal das sombras, para transcender a realidade despedaçando-a.
A sua câmara era o objecto em que se dava a combustão que o carburava, em que se sublimava como com um narcótico. Precisava de mais.
De uma realidade cada vez mais dura, mais escura.”
os textos são em grande medida consideráveis como extremos, ou extremados.
Há excesso no texto.
Na verdade, os contos foram escritos sob o signo do excesso - as epígrafes, as listas, a contaminação por referências reais.
São textos que se inspiram na sobrecarga sensorial do «free-jazz», ou na pintura de Pollock ou de Bacon.
Quero os textos sobrecarregados com zonas de sombra e com pontos de distorção.
As referências presentes nos textos não são sinal de pretensiosismo, mas do mais puro sentimentalismo.
Os textos são exercícios de homenagens e tributos a figuras e fenómenos reais, que entram na narrativa como gritos, como obsessões.
Como sintomas abissais da memória, que não desfiguram a ficção, antes a fortalecem.
Esses contos são objectos do mato.
Podem desencadear reacções opostas, e é preciso estar preparado para isso.
São objectos extremos que não devem tolerar a indiferença.
São o ruído contra a literatura burguesa de cabeceira.