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Zélia acordou de madrugada como tantas vezes lhe acontecia. Atravessava-a a sensação de que tinha vivido um sonho muito vivo, intenso e tocante.
Atordoada, vislumbrou na escuridão do quarto listas de claridade ténue coadas pelas persianas.
Naquela noite, sonhara com a Casa da Encosta e o fulgor do sonho deixara-lhe um travo de perplexidade, um rasto da antiga nostalgia que julgara nunca mais voltar a sentir. Ao mesmo tempo, também lhe trouxera um estranho conforto, um alento de coragem e de alegria como quando se reencontra um amigo querido que se pensava desaparecido.
No seu sonho, acabava de acordar no quarto muito escuro, mas adivinhava lá fora uma esplêndida manhã de abril, fresca e luminosa, dourada por um sol ainda suave e pouco quente. A verdura do jardim estava tenra, molhada de orvalho e a água do tanque, junto à varanda de pedra, corria límpída e sonora.
Uma luz suave e pálida, coada pelo velho quebra-luz de paninho amarelo, revelou-lhe todo o quarto com aquela nitidez fotográfica da memória que sempre guardamos dos lugares e das pessoas que verdadeiramente nos marcaram.
Durante dias, acompanhou-a uma sensação de reencontro, não como a mágoa de uma perda, mas como um tesouro precioso da memória, uma coisa que era só sua, que nada nem ninguém podia aviltar nem roubar.